Rir é o melhor remédio

O valor de uma gargalhada

O riso é uma experiência tão comum que nos esquecemos de como ele é estranho. Quando alienígenas nos virem rindo pela primeira vez, vão achar que estamos tendo uma espécie de ataque (e provavelmente também não vão entender a piada).
Kevin Lee Smith ministra um curso sobre a relação entre humor e medicina na Universidade de Minnesota e participou de uma conferência médica na Universidade Loma Linda, na Califórnia, para argumentar que o riso traz benefícios clínicos.
Essa ideia é pelo menos tão antiga quanto o livro dos Provérbios, cujo capítulo 17 diz:

“O coração alegre serve de bom remédio.”

Também é um conceito que alguns fanáticos da máxima “mente sã, corpo são” espalham com mais entusiasmo.
Mas há alguns anos um grupo audaz de cientistas, tenta descobrir a fisiologia do riso e seus prováveis benefícios.
À frente desses pesquisadores, temos o professor Dr. Lee Berk, da Universidade Loma Linda, que organizou a conferência na qual Smith se apresentou.
“Ainda não temos certeza de nada”, adverte Robert Provine, professor da Universidade de Maryland e autor de “Laughter: a scientific investigation (Riso: uma investigação científica)”, “e ainda são necessários outros estudos”.
Os resultados preliminares, porém, são bastante animadores.
Todos sugerem que o riso faz bem à saúde.
Portanto, entregue-se às “convulsões” e morra de rir!

Cócegas

O riso das cócegas é um bom começo, porque ele, na verdade, é a forma mais primária de rir.
Ou talvez devêssemos dizer a forma mais “primata” de rir.
Os chimpanzés e outros primatas “brincam de brigar”, principalmente na infância, e soltam uns arquejos ritmados que são a versão simiesca do riso proveniente das cócegas, segundo Provine, que há décadas estuda o assunto.
Provine e outros cientistas acreditam que o riso esteja profundamente enraizado em nossa evolução, antecedendo a linguagem.
E sua origem nas cócegas e na brincadeira de lutar é mais complexa do que o mero humor: somos tocados nas áreas mais sensíveis (e letais) do corpo, sob as costelas, debaixo dos braços, no pescoço.
Talvez esse riso provenha do alívio por não estarem nos batendo ou nos matando.
Se for o caso, podemos considerar este o primeiro benefício médico do riso.
Mas o que exatamente esse antigo fenômeno significa?
Ele é um programa predeterminado que envolve todo o corpo.
Se é uma piada que nos contam, o fenômeno começa nos nervos auditivos dos ouvidos.
Se é uma história em quadrinhos, o programa é acionado pelos olhos.
Quando o pai faz cócegas no filho, terminações nervosas na pele da criança enviam impulsos elétricos pela medula, provocando uma reação na parte do cérebro responsável pela detecção do que se passa nos músculos, nas articulações e na pele.
Da mesma forma, a pessoa que ouve uma piada ou lê uma história em quadrinhos envia essa informação ao cérebro para que ela seja processada.

Uma “onda” natural

Seja qual for a causa do riso, não sabemos o que ocorre em seguida.
Na realidade, os cientistas estão começando a examinar pessoas por meio de aparelhos de ressonância magnética (RM) para fazê-las rir e ver se descobrem algo.
Num recente estudo na Universidade de Stanford, pesquisadores mostravam a revista “Bizarro Comics!” a voluntários enquanto monitoravam seu cérebro por meio de RM.
Conseguiram provar pela primeira vez que o riso – ou pelo menos o humor – estimula as partes do cérebro que usam a dopamina, mensageiro químico de “sensação de bem-estar”.
Isso coloca o riso na categoria de atividades que queremos fazer repetidamente, assim como comer chocolate ou ter relações sexuais.
Os sistemas de dopamina em desequilíbrio podem levar ao vício, diz o neurologista Gregory Berns, da Universidade Emory.
Essa descoberta explica por que as crianças querem continuar fazendo brincadeiras tolas até os pais não aguentarem mais.
O riso é prazeroso e, talvez, até induza ao “vício”.

Benefícios para o corpo

No cérebro da pessoa que está prestes a rir, a área motora suplementar executa uma série de comandos, enviando sinais a dezenas de músculos e glândulas de uma só vez.
Todo o processo do riso é o que os cientistas chamam de “estereotipado”.
As pessoas podem fazer ruídos e caretas diferentes, rir em intensidades distintas e ter sensos de humor diversos, mas os comandos que o cérebro envia durante a gargalhada são uma receita seguida à risca:

O rosto se ilumina – Para formar um sorriso, nada menos do que 15 pequenos músculos contraem nosso rosto que, com o aumento do fluxo sanguíneo, se torna mais rosado e nos dá um ar de felicidade.

De olhos molhados – Se a gargalhada for muito intensa, nossos canais lacrimais são ativados.
Às vezes, a alegria pode ter um efeito cumulativo, até estarmos literalmente chorando de rir.
E estudos mostram que as lágrimas, sejam de felicidade ou de tristeza, podem reduzir os sintomas do estresse.

Da boca para fora – Evidentemente, a boca se abre para soltar aqueles sopros ritmados de “ha-ha-ha”.
Além disso, o Dr. Lee Berk e outros especialistas testaram a saliva dos pacientes e descobriram que ela apresentava níveis mais elevados de anticorpos chamados imunoglobulinas depois de eles rirem.
Outros estudos revelaram níveis sanguíneos mais altos das células T citotóxicas, sugerindo que o riso aumentaria a função imunológica.

A plenos pulmões – Nosso equipamento vocal precisa arregaçar as mangas quando rimos.
O diafragma, músculo localizado abaixo dos pulmões, age como uma bomba, enchendo os pulmões e expulsando o ar pela laringe, produzindo, assim, a risada.
A gargalhada é um baita exercício para esses órgãos, exigindo tanto esforço e volume quanto o grito.
Como há maior troca de ar do que o normal, os pulmões oxigenam mais o sangue.

Luta pelos vasos – A frequência cardíaca e a pressão arterial são ligeiramente elevadas quando rimos.
Elas aumentam até quando rimos suavemente, assistindo a um filme engraçado.

Benefícios imunológicos

Num estudo recente, o cardiologista Michael Miller, da Universidade de Maryland, investigou o efeito do riso no endotélio, a camada celular que reveste os vasos sanguíneos.
Sim, até essa parte do corpo produz substâncias químicas: boas ao se dilatar, ruins ao se contrair.
Quando o endotélio se dilata, recebemos uma descarga de substâncias químicas boas, como o óxido nítrico, que reduz a coagulação e as inflamações.
Quanto o endotélio se contrai, recebemos uma descarga de hormônios do estresse, como o cortisol, que faz o sangue coagular e, com o tempo, pode causar doenças cardíacas.
Miller inflou a braçadeira de um aparelho que mede a pressão arterial de voluntários a fim de limitar o fluxo sanguíneo durante alguns minutos.
Nesse meio-tempo, os voluntários assistiam a um filme dramático (“O Resgate do Soldado Ryan”) num dia e a um filme engraçado (“Quem vai ficar com Mary?”) no outro.
Então Miller soltou a braçadeira e usou um aparelho de ultra-som para ver como se comportou a membrana que reveste o vaso sanguíneo.
Por uma diferença significativa, ela se dilatou após o filme engraçado e se contraiu depois de “Soldado Ryan”.
Além dos possíveis benefícios imunológicos mencionados, o riso parece ajudar as pessoas diabéticas a controlar o nível de glicose.

Efeito analgésico

Em 1987, a psicóloga Rosemary Cogan, da Universidade Texas Tech, também usou a braçadeira para testar outro benefício do riso: o controle da dor.
Voluntários que assistiram à apresentação de um comediante por 20 minutos toleraram a braçadeira mais apertada do que quem assistiu a um vídeo informativo ou quem não assistiu a nada.

Abdominal

A gargalhada nos faz manter os principais grupos musculares retesados por vários minutos de uma só vez, o que leva o Dr. Lee Berk a uma conclusão: rir é um tipo de exercício.
Ele gosta de dizer: “O riso é um jogging interno.”
A frequência cardíaca e a pressão arterial sobem quando estamos rindo, mas depois caem abaixo dos níveis basais, como no exercício físico.
Berk lembra que rir é uma atividade importante para idosos e doentes, que não podem sair de casa para se exercitar.
Segundo Provine, o pesquisador William Fry descobriu que levava dez minutos se exercitando no remo para elevar sua frequência cardíaca ao mesmo nível proporcionado por uma gargalhada, o que pode dar às pessoas uma ótima desculpa para sair da academia e ficar em casa assistindo aos humoristas favoritos na TV.

Rir emagrece?

Será que alguns minutos de gargalhada substituem a corrida na esteira?
Não, mas rir queima de fato calorias e, quanto mais rimos, mais as queimamos, garantem especialistas da Universidade Vanderbilt.
Eles recrutaram 45 duplas de amigos – somos mais propensos a rir acompanhados do que sós – para assistir a alguns trechos de programas cômicos, como “Saturday night live”, e aos filmes “Quem vai ficar com Mary?” e “Austin Powers”.
Os voluntários assistiram às cenas numa sala equipada com um aparelho que mede o número de calorias queimadas, e todas as pessoas ficaram conectadas a um monitor de batimentos cardíacos.
No fim da sessão, os pesquisadores concluíram que o riso aumentava o batimento entre 10% e 20% e queimava uma média de 1,3 caloria por minuto.
É mais ou menos o que acontece com as supostas atividades físicas de digitar, arquivar documentos, ou jogar cartas.
Correr, por sua vez, queima cerca de dez calorias por minuto.
“Dê atenção aos detalhes, porque toda caloria é importante”, aconselha o autor do estudo, Maciej S. Buchowski.
Ria 15 minutos por dia, durante um ano, e você pode perder até dois quilos.
E isso não é nada “engraçado”. [E isso não é uma piada.]

A piada como terapia

Daniel Kupermann, doutor em Teoria Psicanalítica, diz que o humor é parte importante da saúde mental – e a principal ferramenta para enfrentar nossos medos.
O humor é importante numa terapia. Quem busca terapia quer e precisa resgatar seu potencial criativo, inibido pelo sofrimento, pela angústia e pelo medo excessivo.
Durante muito tempo, considerou-se contra-indicada a presença do humor entre analista e paciente, em nome da neutralidade da relação.
Hoje, sabe-se que não há psicoterapia sem que se estabeleça uma relação afetiva, em que o humor é parte integrante.
Para ser possível ter um estado de espírito leve e alegre diante de fobias e fraquezas humanas é necessário desenvolver certa descrença nos ideais de felicidade propagados no mundo contemporâneo; não se levar tão a sério, sabendo que nunca atingiremos os ideais de perfeição em que aprendemos a acreditar.
O humor tem sua fonte na atividade lúdica da criança. E vira a brincadeira do adulto, fruto de sua imaginação criadora.
Nesse sentido, o humor é inato. Mas é possível privar alguém da capacidade de brincar ao sujeitá-lo a violências. Uma pessoa traumatizada tem o senso de humor comprometido.
Uma piada, certamente, é um remédio passageiro, tem vida curta. Mas o cultivo do humor é tarefa para a vida inteira.
A atividade humorística indica um posicionamento ético e também político.
Os bem-humorados têm maior tendência a bons sentimentos, afetividade e qualidade de vida.
Em psicanálise, é definida a saúde como a capacidade para o amor e o trabalho criativo. E o senso de humor está, sem dúvida, na base da saúde psicológica.
Toda atividade mental tem seu correspondente neuroquímico. Mas não se podem reduzir atitudes éticas, como a sabedoria humorística, a reações químicas cerebrais sob o risco de perdermos o que é mais próprio do ser humano: a liberdade.
Rir, portanto, é mais barato do que usar Prozac. Mas dependendo do riso, ou seja, se for um riso de submissão, cínico, debochado, pode sair tão caro quanto.
Não há panaceia para a humanidade.

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